Sobre a ocupação da Casa da Bruxa e do prédio anexo ao
bandejão do Campus de Letras e Artes da UNIRIO:
Apelo ao movimento estudantil pela universalização do direito ao acesso
e à produção do conhecimento a partir da experiência em auto-gestão atualmente
em curso nesta universidade:
A partir de reuniões e grupos de trabalho realizados com a reitoria e com o DCE (Diretório Central de Estudantes) da UNIRIO, nós que ocupamos a Casa da Bruxa e o prédio anexo ao bandejão do Campus de Letras e Artes da universidade, decidimos elaborar esta nota. Seu objetivo principal é responder a objeções em relação ao uso dos espaços ocupados, bem como a acusações de que as ocupações se tornaram albergues ou simples moradias. Para nós, a posição que nosso corpo ocupa no espaço é política, de modo que, se dormimos neste campo específico, precisamente este ponto precisa ser mais propriamente considerado.
A partir de reuniões e grupos de trabalho realizados com a reitoria e com o DCE (Diretório Central de Estudantes) da UNIRIO, nós que ocupamos a Casa da Bruxa e o prédio anexo ao bandejão do Campus de Letras e Artes da universidade, decidimos elaborar esta nota. Seu objetivo principal é responder a objeções em relação ao uso dos espaços ocupados, bem como a acusações de que as ocupações se tornaram albergues ou simples moradias. Para nós, a posição que nosso corpo ocupa no espaço é política, de modo que, se dormimos neste campo específico, precisamente este ponto precisa ser mais propriamente considerado.
Nós defendemos a proposta de ocupação destes espaços em tempo
integral, porque apenas assim as implicações micropolíticas envolvidas em nossa
proposta de auto-gestão podem ser
efetivamente experimentadas. Entendemos que as restrições morais e econômicas
que dificultam e limitam processos de organização coletiva em nossa época, não
nos deve impedir de perceber que experiências como estas são decisivas para o
desenvolvimento de alternativas em relação ao modelo hegemônico vigente. A
construção histórica que justifica a divisão e o uso do espaço em nossa época,
afinal, não deve ser simplesmente naturalizada. A autonomia universitária pode
e deve ser explorada, nesse sentido, para abrir “brechas nas velhas e novas
cercas que produzem e reproduzem [entre nós] as velhas e as novas formas de
subordinação”[1]. Por isso, ao falar de auto-gestão, nós
fazemos resistência à terceirização de serviços como os de limpeza nesses
espaços, e, recordando raízes comuns entre Marx e anarquistas como Bakunin,
investimos em processos de livre formação com fazeres que equivalem a
diferentes modos de aproximar arte, trabalho e vida. O que talvez para algumas
pessoas soe demasiado romântico, outras propõem que se considere com a força de
um movimento (contra) cultural de resistência em vias de ascensão.
Não se trata de desejar a criação de um “mundo paralelo”,
como alguém disse em reunião um dia. Mas certamente de propor o uso da arte e
da filosofia, reconhecendo, na intersecção entre estética e política, tanto as
ocupações como o pixo, não apenas como manifestações culturais legítimas, mas
como ocasiões para uma apropriação do movimento estudantil, no sentido de alimentar
o desenvolvimento de pontos que poderão se conectar a outros dando origem, pelo
próprio movimento das pessoas que transitam por estes espaços, a uma rede de
caráter transnacional (lembrando que por ocupações como estas passam pessoas
vindas de muitas partes). Trata-se assim de forçar os limites da autonomia e da
extensão universitária, para aproximar o modelo tradicional de ensino superior
do espírito de universidades livres, como a Universidade Nômade: espírito de
certo modo encarnado por críticxs da cultura, artistas de rua e malucxs de
estrada, que afinal, também cumprem função educadora, por assim dizer, em campo
expandido[2].
Estes espaços podem ser muito simples, não apenas porque
estas pessoas que estão realmente dispostas à construção de alternativas
geralmente não se importam de dormir no chão, mas porque o importante é que sejam
espaços experimentais de arte e ciência - a começar pelas sociais -, espaços
autônomos, heterotopias libertárias: campos que possibilitem a integração de
conhecimentos advindos de diferentes áreas. Isto é mais do que destinar o uso
do prédio para centros acadêmicos: é investir na possibilidade de transitar
livremente pelas bordas entre os cursos, desfazendo fronteiras e alimentando o
desenvolvimento de um amplo movimento que permita, a partir da proposta de auto-gestão,
aproximar questões tão diversas quanto a educação livre, a soberania alimentar,
o (trans)feminismo, a descolonização, os saberes ancestrais, a permacultura, a agroecologia,
a consciência corporal, a pirataria, os softwares livres, o amor livre etc.
Nós não esperamos, com isso, a adesão espontânea de um grande
número de pessoas a um conjunto de práticas que exige, no limite, alterar a
maneira como se vive. Sabemos que mesmo instituições de ensino que optam por
fazer mais formalmente a transição para modelos de educação livres -
desescolarizados - passam por um momento de estranhamento e adaptação muitas
vezes complicado, e que este pode ser um processo lento. Nosso desejo é que se adote
uma política interna de auto-gestão que permita manter nestas ocupações o
espírito de compartilhamento e a dinâmica de formação coletiva que já existe
nestes espaços, de modo que seja ainda possível preservar a possibilidade de
dormir nestes espaços, nos casos em que isso for desejado: assim mantemos em
suspenso a questão do uso do espaço público, e levamos para outro nível a
discussão acerca do que realmente nos propõe o fenômeno das ocupações de
espaços públicos, que afinal, não são fenômenos culturais de nossa época por
acaso.
Não pretendemos, com isso, negar que nossas ações são ainda, em
muitos sentidos, precárias. Falhamos, por exemplo, na parte de comunicação,
para que estudantes e a universidade em geral pudesse perceber mais
propriamente a força destas ocupações enquanto experimentos autônomos e
movimentos políticos que, ao tratar da cultura indígena e de bioconstrução, por
exemplo, aponta alternativas “ancestro-futuristas” para o desenvolvimento
estrutural da universidade. Pois se a crise da instituição universitária é
particularmente emblemática aqui, sabemos que ela não se restringe à UNIRIO. Por
isso, radicalizando a revindicação por autonomia a partir destes espaços, é
nosso intuito desenvolver a partir deles experiências que poderão se tornar
referências para outras universidades e ocupações de nosso país.
O Bandejão (o refeitório) está fechado, mas nós estamos
diariamente fazendo recicles em feiras, sacolões e padarias (não ignoramos o
absurdo de um sistema econômico que nos desapropria da terra e encaminha uma
quantidade imensa de alimento próprio para o consumo todos os dias para o lixo);
estamos nos organizando constantemente para a limpeza e manutenção dos espaços ocupados
(algo que o corte de água do prédio anexo ao bandejão dificulta muito); tendo
desenvolvido um calendário orgânico, estamos ainda sempre envolvidxs em pesquisas
e atividades que envolvem escrita, música, leitura, pintura, exercícios e técnicas
de consciência corporal (yoga e malabares, por exemplo)...Nosso envolvimento
com plantas é ainda muito tímido, mas já temos nossa horta; e muito em breve,
uma rádio livre! Nosso desejo é que estes espaços se tornem algo como estações
experimentais de arte e ciência. Por que tantxs estudantes se opõem a isso¿
Estas não são coisas que podem ser simplesmente desprezadas.
Sabemos que para algumas pessoas os planos de uso deste
espaço eram outros, mas pedimos para que se considere o que começa a se
desenvolver por aqui como uma oportunidade de desvio com o sentido de
potencializar as reivindicações políticas do movimento estudantil, tornando-as
menos elitistas e mais verdadeiramente públicas.
Agora que estamos sem água há cerca de três meses e em
processo decisivo de negociação com a reitoria e com o DCE da UNIRIO, pedimos,
para finalizar, a colaboração de todxs. Temos muita carência de materiais, de
utensílios de cozinha, e ferramentas para (bio)construção, a livros para
estruturação de biblioteca (temos já uma relação encaminhada), almofadas,
tintas, tecidos e retroprojetores... Com isso, acreditamos ser possível ocupar
estes espaços juntxs, para fazer crescer na universidade um projeto de
interesse comum que assegure condições para o desenvolvimento de nossas
singularidades; isto é, um projeto em que realmente se possa acreditar.
[1] Para uma Universidade Nômade.
Disponível em: http://uninomade.net/wp-content/files_mf/113003120819Para%20uma%20Universidade%20N%C3%B4made.pdf
[2] Cabe, nesse sentido, considerar o
discurso crítico de algumas delas: https://www.youtube.com/watch?v=qw_loNboKO0 (Rafael Lages); https://www.youtube.com/watch?v=NMn_1rQ3sms
(Eduardo Marinho).